#005 – A casa, o mundo e o palco em chamas
Curadoria, posicionamento e o que arde entre a sala de estar e a sala de espetáculos
Terceira semana em Porto Alegre. Meu último endereço: um apartamento de Airbnb com causa.
Na sala do meu anfritrião, a bandeira Wiphala com seus quadrados multicoloridos anuncia que há algo além da decoração: há uma declaração. No quarto, um panteão de belezas revolucionárias: Rosa Luxemburgo, Maria Bethânia, Lupicínio, Paulo Freire, Gabriel García Márquez e Maria Bonita, entre outros. Não poderia fazer uma curadoria mais amorosa.

Na cozinha, o cheiro de incenso se espalha entre samambaias; na porta da geladeira, ideias e imagens magnéticas de Caio, Mafalda e Elis. Na mesa de cabeceira, poesias de Neruda à disposição. Poderia dizer que é uma casa com personalidade, mas é mais que isso: é uma casa com política, amor e propósito.
Enquanto isso, lá fora:
Um barco com ativistas levando ajuda humanitária a Gaza é interceptado pelo exército israelense.
Trump reprime com violência manifestações contra sua política migratória em Los Angeles.
No Brasil, vemos pelas redes o julgamento de generais e de um ex-presidente acusados de tramar o golpe, punhal verde amarelo, de 2022/23.
Hoje, é o nosso dia dos namorados cada vez mais Valentine’s Day.
O mundo está fervendo (já foi diferente?). E, em meio a esse calor político, ficar em cima do muro não parece ser uma opção. O muro cai.
Fazer uma peça é tomar partido. Compor uma programação é um ato político. Decidir o que entra em cena, onde, a que preço, com quais condições de acesso — tudo isso é política. Fazer é político. Não fazer também.
Em 2017, no FIAC Bahia, vivemos isso de forma visceral. Uma liminar determinou o cancelamento de uma apresentação do espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, com Renata Carvalho no teatro que estava programado. Uma peça sobre o amor. Respeitamos a decisão judicial, mas não nos calamos. Com a ajuda dos agentes culturais presentes, transferimos e realizamos a apresentação em outro lugar. Lotado. Vibrante. Inesquecível.
Naquela noite, a arte venceu. E segue vencendo, quando tem coragem de se posicionar.
As transformações sociais recentes exigem mais do que neutralidade. Elas pedem coragem, amor e presença.
E você, como tem se posicionado enquanto artista, curador/a, gestor/a, público?
Quais são as causas que te apaixonam, que bandeiras te movem?
Alguns dizem que há política demais nas artes. Eu pergunto: é possível que seja de outra forma?
💡 Recomendações da semana
👶 Criar uma criança também é política
Já ouvi dizer que criar filho é um ato político. Pois o pessoal do TREMA também acha. Estão abertas as inscrições para o Festival TREMA – Arte para Criança. Convocatória afiada para quem acredita que infância e pensamento crítico podem (e devem) andar juntos.
🗣 Teatro em português… de Macau!
Em tempos de apagamento, ouvir português vindo de Macau é um pequeno ato de resistência.
Conheça o trabalho da companhia Dóci Papiaçám di Macau, que une língua, cena e memória em um território que quase ninguém olha.
🎶 Trilha sonora para amar e questionar
Para embalar o Dia dos Namorados (ou questioná-lo com classe):
– Tava Aqui, de French Fuse e Ruan Vitor Vaqueirinho
– My Funny Valentine, na versão de Chet Baker
Amor, ironia e vulnerabilidade — do jeito que a gente gosta.
Fortalecendo nosso amor
No Dia dos Namorados, tem gente que dá flores. Tem gente que dá palco.
Se você chegou até aqui, é porque se importa.
Considere fazer uma assinatura. É mais barato que um café a dois — e fortalece quem acredita nas artes cênicas como espaço de amor, luta e posicionamento.
Vamos trabalhar juntos
Além da escrita, também desenvolvo cursos e mentorias voltados para quem atua ou pesquisa nas artes da cena. São espaços de troca direta sobre curadoria, planejamento de carreira, circulação e os bastidores dos projetos culturais. Não tem fórmula pronta, mas tem muita referência, conversa franca e estratégias que ajudam a sustentar trajetórias artísticas com mais consciência e articulação. Tem quem venha com dúvidas, sai com projeto. Tem quem chega com projeto, sai com coragem. E sempre rola aquela troca boa, que ninguém ensina na faculdade.
Na semana que vem, a news irá no dia mais escolhido! Democracia também se faz com clique. 😉