#007 - Demorou só 9879 dias
Ou 27 anos, 1411 semanas e 2 dias para chegar lá: uma história de looping, axé e insistência.
O click
Até os meus 16 anos eu queria ser músico. Queria ser percussionista profissional, mas acabei tomando o rumo da cena do teatro. Mesmo assim, eu nunca abandonei o tambor, nunca. Era 2013 e eu tinha comprado um Wavedrum, uma bateria eletrônica na qual eu batucava nas horas de descanso. Passava horas gravando células rítmicas que se repetiam no botão de Loop. Acostumado a pesquisar a sonoridade dos buzús (ônibus) da Bahia, agora escolhia timbres pelo seletor. Ia castigando o pad e gravando camadas, overdubs cheios de reverber…
Em uma dessas sessões, o batuque que soava no fone de ouvido me balançou as ideias de maneira diferente. O olho brilhou - e não era pouco. Era desejo de futuro.
E se a gente pegasse esses procedimentos de repetição e acumulação para pensar a cultura, a cidade, a Bahia? Convidei Rita Aquino e Leonardo França para co-dirigirem o projeto de Looping: Bahia Overdub. Inscrevemos no edital.
🥁 A brincadeira que provocou o click, o insigth:

Em 1998, a Copa do Mundo foi na França. Por conta de uma conjunção familiar, este ano, eu estava em Paris. Como estudava francês, tinha um amigo na cidade que trabalhava em uma agência de turismo levando turistas brasileiros para ver os jogos. Ele me disse:
— Felipe, vai ter jogo do Brasil em Marseille, quer ir?
Com a coragem e pressa dos 20 anos, respondi:
— Bah, oui!
Então ele completou:
— Consigo um lugar para você no trem, mas não tenho ingresso pro jogo.
E daí? Eu toparia assistir ao jogo até em uma TV de 14 polegadas tomando cerveja quente. Allez!
Naquele mesmo ano, entrei no curso de Direção Teatral na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. E para chegar até Marselha, passa-se por Avignon — cidade onde acontece um dos maiores festivais de artes cênicas do Ocidente desde 1947.
Mas eu não tinha grana para estádio, muito menos para bancar uma estadia, comprar ingressos e vivenciar um festival na Provence. Sem chance, sem condição. Non, rien de rien...
Naquele ano, Avignon foi apenas uma estação de trem. Uma promessa: um dia eu volto.
Não rolou ingresso. Assisti ao jogo na praia. Brasil e Holanda decidiram nos pênaltis. Enquanto o Brasil vibrava com a classificação, eu, na beira do mar, pensava que a água que molhava a areia de Marselha era a mesma que visitava o Porto da Barra.
O mar
Em 2015, Looping ganhou um edital de montagem. O processo de criação começou à beira-mar. A primeira sessão de um trabalho de dança foi... vender dindim/juju/sacolé/geladinho (depende de onde você é) na Praia da Penha, Cidade Baixa de Salvador.
Tínhamos uma caixa de som meia boca, uma playlist e uma centena de doses de suco de fruta com vodca congeladas para vender — o legítimo geladinho da Galega, empreendimento de Jorge Oliveira.
Em menos de 15 minutos, o céu escureceu, o vento soprou o povo da praia e a chuva nos mandou procurar abrigo.
Mas como não desistimos da luta, da festa, seguimos. A sessão de trabalho continuou embalada pelos geladinhos, o som da A.MA.SSA de Mahal Pita e Rafa Dias, e ideias borbulhantes sobre o que seria Looping. Quebramos até o chão.
Depois dessa experiência, ensaiamos na Capela do MAM, Museu de Arte Moderna da Bahia, também à beira-mar. Passamos dois meses explorando todos os espaços do museu e marinando o trabalho na Baía de Todos os Santos.
Looping estreou no IC Encontro das Artes do Dimenti, nasceu com o axé dos festivais. Depois fez FILTE Bahia, Festival de Dança Itacaré, Vivadança, Panorama no Rio de Janeiro (vou ter que escrever uma news exclusiva sobre nossa história com o Panorama — ou melhor, várias). Veio o Palco Giratório, Porto Alegre em Cena, o Cena Contemporânea de Brasília, Argentina, Escócia, Portugal…
Um montão de cidades que só foram possíveis pela força da obra — e por muito trabalho de promoção, difusão, distribuição.
Looping mudou minha maneira de pensar o processo de criação e promoção do espetáculo.
Em 2020, íamos (brocar) e realizar mais um sonho: fazer Looping: Bahia Overdub na edição francesa do Panorama Festival, no Centre National de la Danse (CND).
Não era Avignon, como eu tinha imaginado em 1998, mas, pô, era o CND de Paris. Incroyable !
Mas aí, af… a gente ia viajar no dia 14 de março de 2020.
E você já sabe o que aconteceu, a COVID explodiu. Tudo foi cancelado.
Zut. Merde. Nada de Looping na França.
Corta para 2022: Lula é eleito. O Brasil volta a ter um projeto de política cultural.
Em 2023, com Macron, decide-se reeditar o Ano do Brasil na França — como aquele de 2004/2005.
(Já falei de Braseiro nessa news? Depois volto nisso.)
Et voilà, Looping, finalmente, vai para a França.
Olha o moleque de 1998 encontrando o cara de 2025.
Na próxima semana, estamos partindo para realizar oficinas e montar uma versão franco-brasileira de Looping na ação especial do Festival International de Théâtre Sens Interdits – Encontros Artísticos.
Vamos trabalhar com estudantes do Conservatório de Lyon para criar Looping: França Overdub no espaço do Les Ateliers Frappaz.
A participação de Looping: França Overdub no evento Festival International de Théâtre Sens Interdits – Encontros Artísticos foi viabilizada pelo Programa Funarte Brasil Conexões Internacionais, no âmbito do Ano Cultural Brasil-França 2025, com apoio da Fundação Nacional de Artes (Funarte), vinculada ao Ministério da Cultura do Governo do Brasil.
Mas não termina por aí.
Lembra da história do amigo que te convida a conhecer outras cidades? Pois é, desta vez, vou parar em Avignon. E fazer Looping.
…o mundo dá voltas.
Demorou 9879 dias ou, se preferir, 27 anos, 1411 semanas e 2 dias para realizar um sonho.
Ça me fait tourner la tête…
🎧 Trilha de Looping composta por Mahal Pita
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Se você está construindo sua trajetória artística e quer sair do lugar, talvez a próxima volta do seu looping comece aqui.
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Que maravilhoso. Já imagino o sucesso absoluto que vai ser.